Diante da polêmica em torno da medida provisória de reforma do ensino médio no País, o portal do fHist convidou historiadores, jornalistas e escritores a se manifestarem sobre o ensino da História. Autor de "Trópico dos pecados", "A heresia dos índios: catolicismo e rebeldia no Brasil colonial", "Traição" e "Jerusalém Colonial", entre outros livros, o historiador e professor Ronaldo Vainfas é leitura obrigatória nos cursos de História e abre a nossa série de artigos.
"Aprender História é essencial para formar indivíduos com senso crítico em relação ao mundo no qual estão inseridos. Deve, por isso, ser disciplina obrigatória desde o Ensino Fundamental. É nesta etapa da vida escolar que os alunos constroem a base de sua formação enquanto indivíduos, em meio à qual se transformam de crianças em jovens adolescentes. A História talvez seja a matéria mais vocacionada para a formação de indivíduos conscientes de seu lugar no mundo, pois estuda as alteridades no tempo e no espaço, quer sociedades distintas e remotas, quer as sociedades e o mundo atuais.
Mas qual História deve ser ensinada? Não uma História exaustivamente factual, dedicada a incutir fatos, nomes e datas na memória dos alunos, a maioria dos quais sem nenhum interesse para eles. Tampouco deve ser uma História meramente conceitual, dedicada a oferecer modelos de interpretação válidos para quaisquer sociedades ou tempos históricos.
O ensino da matéria deve buscar o equilíbrio entre a informação e a interpretação, atento às diferenças entre os valores atuais e os da sociedade estudada. A perspectiva comparativa é a melhor operação para o conhecimento e o ensino da História.
O desafio reside em oferecer uma História que faça sentido para o aluno. Fazer com que o estudo de sociedades com valores estranhos dos nossos, incentive a que ele reflita sobre si e sobre o mundo que o cerca. O caminho para tanto é apostar na sensibilização do aprendizado. Explorar, nos materiais didáticos e nas aulas, as experiências individuais de personagens ou de episódios, em diferentes épocas, sejam eles célebres, sejam comuns, desde que permitam iluminar um grupo social ou cultural. O ensino apoiado neste conteúdo sensível, por meio de uma linguagem livre de clichês e atenta à faixa etária do aluno, eis o que me parece o ideal.
Em termos curriculares, não convém adotar o tradicional modelo eurocêntrico, claro, mas tampouco se deve invertê-lo, priorizando o Brasil, a América Latina e a África. Todos os continentes merecem atenção. Desde o tempo em que as histórias deles eram paralelas até o processo de globalização atual, passando pela fase em que viviam histórias conectadas - resultado da expansão marítima europeia, queira-se ou não.
Estou certo de que este modelo de aprendizagem seria valioso para os alunos em formação escolar, seja qual for a sua escolha futura profissional. Estimularia uma consciência tolerante diante da alteridade. Democrática. Cidadã. Cidadania do mundo, como diria Sócrates, não apenas a de seu país".