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pedro miranda
Bruno Carvalho e Kenneth Maxwell no fHist 2013
A 'bíblia' dos inconfidentes mineiros de 1789
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A influência do compêndio 'Recueil des Loix Constitutives des États-Unis de l'Amérique' na Inconfidência Mineira é o tema da matéria das edições passadas do Festival de História, reportada pela jornalista Denise Menezes para a Revista fHist 2013.

Um aspecto fundamental para conhecermos um dos principais movimentos do Brasil colonial, a Inconfidência Mineira, começa a ser revelado aos brasileiros. É a história de como a independência das 13 colônias britânicas da América do Norte, que formaram os Estados Unidos, influenciou a conspiração mineira, através da disseminação entre os inconfidentes dos ideais republicanos contidos numa coletânea pirata de textos norte-americanos, publicada, em Paris, em 1778, num esforço diplomático da nova Nação que surgia para consolidar-se no cenário mundial.

O compêndio, editado em francês com o nome "Recueil des Loix Constitutives des États-Unis de l'Amérique", trazia esboços das leis constitucionais de estados norte-americanos, e foi objeto de uma ampla pesquisa de historiadores brasileiros e estrangeiros, que resultou na publicação, em setembro, de um livro coordenado pelo historiador britânico Kenneth Maxwell. Trata-se de uma edição crítica do Recueil, chamada no Brasil de "Livro de Tiradentes" - uma referência ao fato de que a coletânea estava sempre à mão do conspirador mineiro, que não falava francês, mas usava as ideias ali contidas nas andanças doutrinárias entre as Minas Gerais e o Rio.

O livro busca responder questões básicas sobre o episódio, disse Kenneth Maxwell durante a sua exposição na conferência inaugural do 2º fHist, realizado em Diamantina em 2013. "Como o Recueil chegou ao Brasil? Como foi a história de sua publicação na França? Que papel teve entre os conspiradores de Minas entre 1788 e 1789? De que maneira os textos norte-americanos influenciaram os conspiradores? Por que os Estados Unidos não apoiaram a conspiração mineira?"

Novas ideias

A forma com que os conspiradores mineiros tiveram acesso ao Recueil mostra que havia grande interesse da intelectualidade brasileira pelas novas ideias que circulavam entre a América do Norte e a Europa. Ideias que viriam a culminar em movimentos, como a independência norte-americana e a Revolução Francesa e, que modificaram a ordem mundial.

O interesse era fomentado por brasileiros, filhos de famílias abastadas, que estudavam em universidades, como as de Coimbra, em Portugal, e a de Montpellier, na França. E não eram poucos brasileiros, especialmente mineiros, envolvidos nesse intercâmbio. Segundo o historiador britânico, 200 estudantes brasileiros se matricularam em Coimbra, entre 1762 e 1785. Outros brasileiros optavam por dar continuidade aos seus estudos na França. Somente na faculdade de Medicina de Montpellier, entre 1767 e 1793, estavam matriculados 15 brasileiros.

E os dois exemplares do Recueil que chegaram até os conspiradores mineiros foram justamente trazidos ao Brasil, em 1788, por ex-estudantes brasileiros em Coimbra, José Álvares Maciel e José Pereira Ribeiro. Álvares Maciel era filho de um rico comerciante mineiro, dono de terras e contratador. Depois de graduar-se em Coimbra, ele seguiu para a Inglaterra, onde estudou técnicas comerciais em Birmingham e teria comprado o exemplar do Recueil. Ao voltar ao Brasil, engajou-se na Inconfidência.

Mas o interesse dos jovens brasileiros pelas novas ideias não se restringia à leitura de textos e, no caso específico dos inconfidentes, houve contato direto com uma das figuras mais importantes da revolução norte-americana, Thomas Jefferson, um dos redatores da Declaração da Independência dos Estados Unidos. Em 1785, Jefferson sucedera Benjamin Franklin como emissário dos Estados Unidos em Paris e em outubro do ano seguinte recebeu uma carta, assinada por um certo Vendek, pedindo para se corresponderem.

Jefferson atendeu ao pedido e numa segunda carta, Vendek revelou ser brasileiro, afirmando que a opressão no seu país estava cada vez mais insuportável depois da independência norte-americana e que os brasileiros estavam resolvidos a seguir o seu exemplo, quebrando os vínculos com Portugal. "Solicitar a ajuda das autoridades americanas, em síntese, era o objetivo da visita de Vendek à França", explicou Kenneth Maxwell.

Em 1787, Jefferson aproveitou uma visita ao sul da França e marcou um encontro secreto com Vendek, quando o brasileiro reiterou pedido de apoio ao movimento que se articulava nas Minas Gerais. Segundo Kenneth Maxwell, o contato entre o brasileiro e Jefferson pode ser comprovado por carta enviada, em 1787, pelo diplomata a John Jay, então secretário de Gestão Exterior da Confederação Norte-Americana, onde narra o encontro. "Eles consideravam a revolução americana um presente para a sua. Pensavam que os Estados Unidos da América eram o país que poderia dar a eles um apoio honesto e por vários motivos simpatizam conosco. Ao que parecia, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Bahia iriam formar um levante e as outras capitanias deviam seguir-lhes o exemplo. No caso de uma revolução vitoriosa, um governo republicano único seria instalado".

Vendek era na verdade o estudante de Medicina da faculdade de Montpellier José Joaquim Maia de Barbalho, filho de um comerciante do Rio de Janeiro, que parecia ter sido incumbido de entrar em contato com Thomas Jefferson e buscar o apoio norte-americano à conspiração.

Opressão econômica

Kenneth salientou que os conspiradores brasileiros viram nos ideais republicanos dos norte-americanos caminhos para os problemas que viviam aqui. A região das Minas estava sufocada pela cobrança de impostos. Em 1788, as dívidas decorrentes da cobrança do quinto atingiam 583 arrobas de ouro. Com a chegada de um novo governador para Minas, Visconde de Barbacena, estava próxima a imposição da derrama, mecanismo estabelecido em alvará, datado de 1750, que determinava a cobrança de um imposto per capita, toda vez que a cota anual devida a Portugal, de cem arrobas de ouro, não era atingida.

Os conspiradores, quase todos de famílias ricas e muitos deles endividados com a coroa, identificaram semelhanças entre a situação no Brasil, especialmente nas Minas, com o que a Grã-Bretanha tentou impor às suas colônias no Norte da América, em relação a impostos. E viram nos documentos reproduzidos no Recueil uma base para a discussão das instituições que queriam criar para seu próprio governo republicano, que também seria constitucional.

A influência da independência das 13 colônias britânicas da América do Norte sobre os conspiradores está registrada nos autos da Devassa, processo aberto para investigar e punir os envolvidos na Inconfidência Mineira. Americanos e ingleses são citados mais de 90 vezes por conspiradores presos. Cada um dos principais líderes do movimento citou, pelo menos uma vez, americanos e ingleses em seus depoimentos. Há ainda 15 referências à posse de livros relacionados aos americanos e ingleses.

A historiadora Junia Furtado, professora da Universidade Federal de Minas Gerais e co-autora da edição crítica do Recueil lembrou que embora fossem evidentes os interesses econômicos havia um idealismo no movimento, de clara influência anglo-saxã. "Vários dos inconfidentes tinham interesses econômicos no levante - impostos atrasados ou por estarem alheios a atividades econômicas importantes como a mineração. Mas fica claro nos autos da Devassa que havia uma sociedade de pensamento, que eles estavam lendo e discutindo e, embora não houvesse consenso em questões como a escravidão e mesmo sobre a instituição de uma república no Brasil, essas ideias eram pensadas. Para além do Iluminismo francês, os conspiradores foram influenciados por teorias da Segunda Escolástica Portuguesa e pela produção então recente dos republicanos norte-americanos", afirmou.

Mas a simpatia dos inconfidentes pelos ideais republicanos não garantiu apoio ao movimento. No encontro com Vendeck, Jeferson foi claro. Não tinha autoridade para estabelecer acordo e considerava que aos Estados Unidos interessava cultivar uma amizade com Portugal, com o qual tinham comércio vantajoso. No entanto, Jefferson salientou que uma revolução bem-sucedida no Brasil não seria desinteressante aos Estados Unidos.

Para francês ver

A história da publicação do "Recueil des Loix Constitutives des États-Unis de l'Amérique" está intimamente ligada à presença de Benjamin Franklin, em Paris, a partir de 1776, como representante do Congresso Continental e para conseguir o apoio da França a sua guerra de independência da Grã-Bretanha. O Rescueil foi o primeiro trabalho destinado a promover a causa norte-americana, publicado, em 1778, com a conivência do governo francês.

A publicação foi resultado direto das ligações de Franklin com intelectuais franceses como o duque Louis Alexandre de La Rochefoucauld d'Enville, Antoine Court de Gebelin e Jean Baptiste de Robinet, com os quais colaborou, com material e informações, inclusive com seus esboços de artigos constitucionais de confederação, em edições do periódico "Affaires de l'Angleterre et de l'Amérique".

O "Recueil" traz os documentos constitucionais fundadores dos Estados Unidos - a Declaração da Independência, a primeira redação de artigos da confederação, o censo das colônias inglesas de 1775, uma lei de navegação, o grau de doutor honoris causa concedido ao general George Washington pela Universidade de Harvard, e as constituições de seis dos 13 estados originais americanos: Pensilvânia, Nova Jersey, Delaware, Maryland, Virgínia e Carolina do Sul. Traz ainda documentos relativos a Carolina do Sul e Boston. Sua importância está ligada não só ao ineditismo dos textos à época, mas principalmente pela circulação que alcançou na Europa e no Brasil, sobretudo nas Minas Gerais.

Bruno Carvalho, professor de Estudos Brasileiros e Estudos Urbanos na Universidade de Princeton (EUA), um dos co-autores do "Livro de Tiradentes" e ex-aluno de Kenneth em Harvard, assinalou, durante sua apresentação no fHisdt, o caráter doutrinário do Recueil, notado na seleção dos textos e, principalmente, na tradução para o francês dos originais em inglês. "Havia detrás desse compêndio pirata o esforço diplomático do Franklin. Havia interesses geopolíticos na desestabilização do império britânico e, até certo ponto, trata-se de um compêndio que buscava atender as expectativas de um público letrado e iluminista. O Recueil não deixa de ser uma versão do que estava acontecendo nas Américas inglesas para francês ver", afirmou.

Coube a Bruno exatamente analisar esse aspecto da publicação para edição crítica do Recueil. De acordo com ele, os documentos traduzidos para o francês eram textos ainda em fase de discussão e elaboração e que terminaram por afastar-se de suas versões finais. "O que é importante perceber, porque esses rascunhos ganharam um peso muito maior para a história francesa e, potencialmente, brasileira, do que tiveram na própria história norte-americana", enfatizou.

Além disso, a ordem e seleção dos documentos, as notas de rodapé e as escolhas de tradução que, na visão do professor são o que de fato mais distorce o sentido dos textos, radicalizaram o projeto republicano dos norte-americanos. "A coletânea dá a impressão de maior unidade, unanimidade e coesão ao que seriam os Estados Unidos, num momento em que ainda não estava claro o que resultaria desse movimento", afirmou.

Segundo Bruno, o projeto de nação expresso nos textos constitucionais do Recuil é freqüentemente contraditório, refletindo o quanto os estados americanos serviam como um laboratório de experimentação política.

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