Portal do Festival de História
pedro miranda
Marcelo Zelic na etapa diamantinense do 3º fHist
Relatório Figueiredo: genocídio documentado
Autor(es)

Na série de matérias sobre as edições do Festival de História, o jornalista Felipe Canêdo reportou para a Revista fHist os bastidores da descoberta de um documento oficial encomendado pelo próprio regime militar que revelou as atrocidades cometidas contra os povos indígenas na década de 1960.

Um e-mail enviado por um índio Marubo ao grupo Tortura Nunca Mais de São Paulo, em 2012, perguntava: "Por que vocês só tratam de mortos e desaparecidos não índios?". E a recém criada Comissão Nacional da Verdade (CNV), de fato, não previa investigações sobre violações de direitos dos povos nativos entre 1946 e 1988. Foi a partir desta correspondência que nasceu a articulação para que o tema fosse incluído na pauta da CNV e, no processo, Marcelo Zelic, vice-presidente da entidade paulista, se deparou com o chamado Relatório Figueiredo, no Museu do Índio, no Rio de Janeiro.

Tomando como partida as mortes, torturas e esbulhos de terra relatadas neste documento elaborado pelo Ministério do Interior em 1967, Zelic e o tarimbado jornalista da "Folha de São Paulo", Rubens Valente, conduziram os participantes do 3º fHist em Diamantina, em 2015, a uma inédita retrospectiva das bestialidades cometidas contra diversas tribos brasileiras no último século. Durante a mesa, intitulada "Genocídio Documentado: o Relatório Figueiredo e a Questão Indígena" – mediada pelo jornalista e coordenador do Festival, Otto Sarkis –, os debatedores citaram episódios pouco conhecidos, acontecidos da década de 1940 em diante, e chegando aos dias de hoje.

"Ao longo dos meus 26 anos de reportagem me deparei com muitas histórias, como as das milícias indígenas. No Mato Grosso do Sul era muito comum: índios foram treinados para oprimir o próprio índio. Esse processo é anterior à ditadura, mas nelaa ele se aprofunda. Em Minas Gerais, inclusive, foi criada a Guarda Rural Indígena (GRIN), e o Reformatório Krenak, onde índios de várias etnias foram presos", contou Valente. O jornalista, que se prepara para lançar pela Companhia das Letras no próximo ano um livro sobre os crimes cometidos pela ditadura contra os indígena, citou casos emblemáticos que pesquisou e cobriu, como o do assassinato do líder Guarani-Kaiowa, Marçal de Souza.

Marcelo Zelic, por sua vez, relatou os bastidores da descoberta do Relatório Figueiredo, que estava sem identificação entre os arquivos do Museu do Índio, e acrescentou outros episódios assombrosos da história brasileira recente, como o extermínio de uma tribo Pataxó inteira no Sul da Bahia, feito através de inoculações propositais de varíola entre os anos 1950 e 1960.

"O alerta que o Relatório Figueiredo nos faz é que as violências contra os indígenas continuam se perpetuando até os dias de hoje. Não é por acaso que a situação seja tão crítica no Mato Grosso do Sul atualmente. Os escritos do procurador Jader de Figueiredo apontam inúmeros esbulhos de terra na região", enfatizou. "O tronco, que era usado para torturar escravos, é descrito no Relatório com detalhes. Os índios no Sul do país continuavam a ser seviciados pelo tronco em 1960", disse ainda.

Histórias que se repetem

Entre os genocídios citados pelos debatedores estavam o chamado Massacre do Paralelo 11, no Mato Grosso, dos Cintas-Largas; e o dos Waimiri-Atroari, no Amazonas, com a construção da BR-174. Consta no relatório final da CNV que um censo da Fundação Nacional do Índio - FUNAI em 1972 apontava a presença de cerca de três mil Waimiri-Atroaris na região da edificação da Hidroelétrica de Balbina e dessa rodovia. 11 anos depois, restavam apenas 350 índios.

Já no caso dos Cintas-Largas, a comissão estimou que cerca de cinco mil índios morreram a partir de 1950 por "envenenamento de alimentos misturados com arsênico, aviões que atiravam brinquedos contaminados com vírus da gripe, sarampo e varíola, e assassinatos em emboscadas, nas quais suas aldeias eram dinamitadas ou por pistoleiros".

Valente e Zelic destacaram a necessidade de se aprofundar e difundir as pesquisas sobre as violações dos direitos dos povos indígenas. "O Serviço de Proteção ao Índio (SPI), que era vinculado ao Ministério do Interior, foi extinto devido a escândalos e atrocidades. Foi criada a FUNAI em 1967, ligada ao Ministério da Justiça. Agora, a PEC 215, que tramita atualmente no Congresso – esse Congresso que tem a maior bancada ruralista da História – quer transferir a responsabilidade pela demarcação de terras para si mesmo", alertou Zelic.

fonte:
FALE CONOSCO
contatofhist@gmail.com
REALIZAÇÃO