11 de julho - Glamour, histórias, decadência e revolta na prostituição de Araçuaí | |||||||||||||||||||
A Era por volta de 1778 quando Luciana Teixeira
resolveu deixar a prostituição na Bahia, pegou sua canoa, remou contra a correnteza do
Rio Jequitinhonha e encantou os homens com o seu chamego apimentado na foz do Rio
Araçuaí, onde aportou no Alto Jequitinhonha, Minas Gerais. Mal sabia Luciana que os seus
préstimos ficariam para a história da cidade que mais tarde ela iria fundar: Araçuaí,
terra das araras grandes, na língua dos índios tupi-guarani, por onde passou essa semana
a Expedição Jequitinhonha. E falar de Araçuaí sem falar de Luciana Teixeira é o mesmo que falar de prostituição sem falar de "Maria Cheirosa", uma senhora de 63 anos, residente na cidade, que ainda chegou a desfrutar do glamour da sua atividade em épocas não tão remotas como a de Luciana. E falar de "Maria Cheirosa" sem falar em patrimônio arquitetônico é o mesmo que visitar a zona boêmia de Araçuaí sem prestar atenção no seu Centro Histórico. Lá vive e trabalha essa simpática senhora que, embora rodeada pela decadência do lugar, e também da profissão, não perde o vigor de suas sucessivas gargalhadas. Mas aí vem a parte triste da história: Araçuaí ocupa o terceiro lugar em prostituição infantil no Alto Jequitinhonha, perdendo apenas para os municípios vizinhos de Itaobim e Itinga. Quem afirma é a funcionária do Conselho Tutelar de Itinga, Maria Aparecida Lages Duarte, de 50 anos. De acordo com ela, meninas de até onze anos são forçadas pelos pais à prostituição. Em Itinga, acrescentou, as meninas são atravessadas pelas mães em canoas e deixadas às margens da rodovia para atrair caminhoneiros. Ainda sem a formação dos seios, e algumas que nem chegaram à menstruação, essas crianças estariam cobrando de R$ 2 a R$ 5 por um relacionamento sexual. "As meninas têm que voltar para casa nem que seja com um pacote de biscoito. Muitas fogem com o caminhoneiros e a gente tem que buscá-las em prostíbulos da Bahia, em Salvador, Vitória da Conquista e Itabuna. Em Minas, elas fogem para Araçuaí, Itaobim e Belo Horizonte, levadas por caminhoneiros, já que ônibus não transportam menores e nem as pessoas de carro dão carona", revela Aparecida, defendendo severas penalidades da Justiça aos pais que comercializam sexualmente as suas filhas. Do bordado à fornicação, tinha de tudo no bordel de Luciana A fundação da cidade de Araçuaí, segundo o secretário municipal de cultura da cidade, José Pereira, começou a partir do povoado de Barra do Pontal, hoje Itira, onde os rios Jequitinhonha e Araçuaí se encontram. Quando Luciana chegou à Barra do Pontal, segundo ele, por lá ela se instalou diante da grande movimentação de canoeiros. Eles chegavam ao local transportando sal e querosene da Bahia e voltavam com farinha e rapadura, essa usada como açúcar na época. Tendo à vista um negócio lucrativo, Luciana buscou várias prostitutas na Bahia e montou o seu bordel na Barra do Pontal, dando pouso aos viajantes e fazendo algazarras que varavam a noite toda. Isso, até ela ser expulsa do lugarejo pelo padre Carlos Antônio de Moura Murta, da tradicional família que deu nome à cidade vizinha de Coronel Murta. "A história oral diz que Luciana tinha um caso amoroso com o padre. Ele a teria expulsado com medo de que ela abrisse a boca", conta José Pereira, lembrando que a Igreja Nosso Senhor da Boa Vida já existia no Pontal da Barra, conservada até hoje. Expulsa, Luciana e suas "meninas" teriam subido a remo o Rio Araçuaí, se instalando onde hoje é a cidade Araçuaí. "Como Luciana era uma mulher de muitas posses, comprou muitas terras. Os canoeiros do Barra do Pontal foram atrás dela e daí começou a cidade", informa José Pereira. Mas alguns anos depois, acrescenta, Luciana sofreu perseguição dos coronéis da cidade e acabou indo embora. Nos escritos do naturalista francês Auguste Saint-Hilaire, em passagem pela cidade na época, ele conta que durante a sua expedição histórica ficou hospedado na casa de Luciana Teixeira. Ele escreveu que viu um grupo de mulheres que teciam e bordavam durante o dia, mas que à noite era uma completa diversão no local. A novela Pedra Sobre Pedra, da Rede Globo, retratou um cotidiano semelhante no prostíbulo da personagem Zenilda, interpretada pela atriz Renata Sorrah. "A gente acredita que Luciana era uma mulher muito inteligente e tinha o hábito de escrever. Saint-Hilaire relatou que ao perguntar sobre as suas despesas, na hora de ir embora, ela pediu-lhe tinta para escrever", afirma José Pereira. Hoje, a prefeitura de Araçuaí homenageia Luciana dando o seu nome a uma escola e a uma clínica para mulheres. Na periferia já existia, há muitos anos, uma singela rua com o nome da prostituta. Centro Histórico e prostituição moderna são o retrato da decadência No Centro Histórico de Araçuaí, onde o patrimônio municipal tombou oito ruas e quatro becos - somando 144 edificações do final do século XIX e início do século XX - os expedicionários do Jequitinhonha conheceram o prostíbulo de "Maria Cheirosa". Trata-se de Maria das Dores Ribeiro Lopes, de 63 anos, famosa na cidade por desfilar nos carnavais, em cima de carros alegóricos, abusando das plumas e paetês para reviver a prostituta Luciana Teixeira, negra como ela. "Sou Maria Cheirosa porque eu gostava muito de perfume", explica a prostituta, dando gostosas gargalhadas ao lembrar de suas épocas de "atividade". O casarão da prostituta está sendo vendido para a prefeitura para ser o Centro do Artesão. Hoje, dos nove quartos existentes, apenas um é ocupado pela única "menina" que não fugiu da decadência do local. No lugar de muitas meninas, hoje "Maria Cheirosa" tem a companhia de mais de dez pássaros da fauna silvestre brasileira. O garboso Quem-Quem já conhece a sua dona, fazendo até pose na gaiola para ser fotografado junto a ela. O Centro Histórico de Araçuaí se encontra em ruínas, como se vítima de um bombardeio, no entanto completamente habitado. A prefeitura informou que foi feita uma parceria com o governo francês, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), a Caixa Econômica Federal e o Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha) para a restauração e revitalização. Nos arredores do casa de "Maria Cheirosa" ainda estão de pé casarões, casas e sobrados antigos em estilo eclético e colonial mineiro. Os do Beco do Sola reúnem vários artesãos que trabalham o couro cru na fabricação de arreios para cavalo, chapéus e outras utilidades do homem do campo. O ofício, passado de pai para filho há várias gerações, encontra-se em extinção, já que os cavalos são trocados pelas motocicletas e carros. No prédio do antigo Clube Iguaçu, freqüentado pela classe média na década de 20, ainda é possível perceber no segundo andar as marcas da enchente que arrasou a cidade em 1979. Isso, depois dela ter sido praticamente reconstruída após a enchente em 1929, quando uma história da cidade, mais antiga ainda, foi levada pelas águas. (Reportagem de Pedro Ferreira) |
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